terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A homofobia na hora de doar sangue

Hoje fui surpreendido por um relato no facebook de um rapaz daqui de Maceió revoltado com a situação constrangedora que passou ao tentar doar sangue. Pelo simples fato de ser homossexual, não pôde doar sangue. Segundo a médica que o atendeu, a legislação proíbe que homens que tenham mantido relações sexuais com outro homem nos últimos 12 meses possam doar sangue por fazerem parte de um "grupo de risco".

Essa legislação é absurda, pois impede que gays que não tenham doenças possam doar sangue. Imaginem quantas doações deixam de ser feitas todos os anos por causa dessa proibição. É totalmente absurdo proibir que um gay doe sangue, pois o sangue coletado é examinado cuidadosamente antes de ser transferido para outro paciente. Se o doador tiver AIDS ou qualquer outra doença que se transmita pelo sangue, sendo gay ou hétero, esses exames identificarão.

É um absurdo que o Estado brasileiro insista em manter esse tipo de proibição, com base unicamente numa entrevista concedida à médica.

Entrevista N. 1

- Você é homossexual?
- Sim.
- Você fez sexo com algum homem nos últimos 12 meses?
- Sim.
- Então você não pode doar sangue.

Entrevista N. 2

- Você é homossexual?
- Não.
- Então pode doar.

Não há nada que garanta que o cara da segunda entrevista falou a verdade. Ele pode ter feito sexo com 100 homens e simplesmente declarar que não fez sexo com nenhum homem, assim estará liberado para doar. O primeiro, apenas por ter feito sexo com outro homem já terá sua doação recusada, não tendo direito sequer a fazer exames em seu sangue para comprovar que não tem nenhuma doença.

Uma justificativa médica usada para a proibição é o fato de que o sexo anal aumenta bastante as chances de se transmitir uma DST. Mas homens héteros não fazem sexo anal com mulheres?

Abaixo está o relato do Rafael Fernandes.

Me sinto na obrigação de compartilhar aqui uma situação que vivenciei e que me deixou extremamente INDIGNADO e REVOLTADO.
Esta manhã, saí de casa e fui ao banco de sangue do Hospital Universitário com a intenção de fazer uma doação. Fiz o cadastro normalmente, passei pelos exames de rotina e me dirigi à entrevista com a médica responsável. Em meio a todas as perguntas sobre doenças as quais nunca tive, fui questionado se possuía vida sexual ativa e se tal vida sexual era compartilhada com parceirAs ou parceirOs. Quem me conhece bem sabe que obviamente não tive nenhum receio em afirmar minha sexualidade, afinal não vejo problema nenhum nisso. Fui então surpreendido pela atitude da médica quando me disse que eu não poderia doar sangue pois ''homens quem mantiveram algum tipo de relação sexual com outros homens num período mínimo de 12 MESES faziam parte de um grupo de risco e que portanto estavam inaptos para realizar a doação". Não preciso nem dizer o tamanho da indignação que senti na hora passando por essa situação homofóbica e constrangedora. Obviamente argumentei com a medica que tal lei me parecia ser bastante retrógrada e homofóbica, que a ideia da homossexualidade estar ligada à um risco maior de contração de DST's havia sido derrubada a muito tempo e que me surpreendia um órgão federal como o Ministério da Saúde ainda atuar pautado em tais diretrizes ultrapassadas. A médica então fez questão de me mostrar a legislação, o que me deixou mais indignado, pois no mesmo parágrafo em que citava de "homens que mantem relações com outros homens" estavam pessoas que sofreram abuso sexual e pessoas que mantem relações sexuais com vários parceiros ao mesmo tempo, claramente ligando homossexualidade à promiscuidade. Mais uma vez fiz questão de deixar claro que o fato de ser homossexual n me torna promíscuo, apenas vivencio minha sexualidade como qualquer outro, afinal, isso é algo íntimo e pessoal. Deixei claro também que qualquer tipo de relação sexual pode ser transmissora de DST's, seja ela vaginal, anal ou oral, portanto não me considerava parte de qualquer grupo de risco, pois independente de questões de sexualidade os métodos de proteção são os mesmos e que ela própria, a médica, como profissional da saúde, deveria ser a primeira a questionar tais normas.
Saí do hospital realmente indignado com a contradição entre inúmeras campanhas de incentivo à doação voluntária e os modos de segregação adotados pelo Ministério da Saúde. Conversando com amigos vi que alguns também passaram por tal situação, outros conseguiram doar mediante uma série de discussões e piadinhas dos médicos e outros ainda tiveram que mentir pra conseguir fazer a doação.
Fica então registrada minha indignação e um apelo ao Nildo Correia presidente do GGAL para que esta discussão não se limite a um post no facebook e torne-se pauta de futuras reivindicações do movimento (talvez até já seja).

Regulamentação em torno desse assunto:

RESOLUÇÃO-RDC Nº 153, DE 14 DE JUNHO DE 2004


B.5.2.7.2 - Situações de Risco Acrescido

d) Serão inabilitados por um ano, como doadores de sangue ou hemocomponentes, os candidatos que nos 12 meses precedentes tenham sido expostos a uma das situações abaixo:

Homens e ou mulheres que tenham feito sexo em troca de dinheiro ou de drogas, e os parceiros sexuais destas pessoas.

Pessoas que tenham feito sexo com um ou mais parceiros ocasionais ou desconhecidos, sem uso do preservativo.

Pessoas que foram vítimas de estupro.


Homens que tiveram relações sexuais com outros homens e ou as parceiras sexuais destes

Em junho de 2011, o ministério da saúde lançou uma portaria que determina que não deve haver discriminação dos doadores por conta da sua orientação sexual. Por incrível que pareça, mesmo com essa portaria, continua havendo a discriminação na hora de doar sangue. Destaquei esse trecho abaixo:

Portaria MS nº 1.353, de 13.06.2011 - DOU 1 de 14.06.2011


Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo a esta Portaria, o Regulamento Técnico de Procedimentos Hemoterápicos.

§ 1º O Regulamento Técnico, de que trata esta Portaria, tem o objetivo de regular a atividade hemoterápica no País, de acordo com os princípios e diretrizes da Política Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados, no que se refere à captação, proteção ao doador e ao receptor, coleta, processamento, estocagem, distribuição e transfusão do sangue, de seus componentes e derivados, originados do sangue humano venoso e arterial, para diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças.

§ 2º O Regulamento Técnico deverá ser observado por todos os órgãos e entidades, públicas e privadas, que executam atividades hemoterápicas em todo o território nacional no âmbito do Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados (SINASAN).

§ 3º A doação de sangue deve ser voluntária e altruísta.

§ 4º Os serviços de hemoterapia deverão capacitar os técnicos da Hemorrede e de suas unidades vinculadas de saúde para melhoria de atenção e acolhimento aos candidatos à doação, evitando manifestação de preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, hábitos de vida, atividade profissional, condição socioeconômica, raça/cor e etnia.

§ 5º A orientação sexual (heterossexualidade, bissexualidade,homossexualidade) não deve ser usada como critério para seleção de doadores de sangue, por não constituir risco em si própria

Leia mais sobre o assunto:

Terra - EUA: médicos querem acabar com lei que proíbe doação de sangue de gays

iGay - Resolução que veta homens gays de doar sangue faz aniversário hoje, 14 de junho

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